Que se volte a luz!

Desatinos, Descompassos e Devaneios

26 de fevereiro de 2010

Confissões

Confissões de um dia qualquer...

Eram quase duas horas da manhã, não tinha ido malhar, não tinha respeitado a minha dieta nem tinha conseguido marcar o médico, muito menos tinha conseguido me concentrar. Dúvidas em mim. Poucas horas eram marcadas para eu tomar uma decisão.

Há quase seis meses cheguei uma cidade situada a 420 km da cidade que eu amo. Levei comigo alguns sonhos na bagagem, algumas dúvidas, alguns medos e o maior medo era de me tornar gente grande, aos 30 anos, nunca me pareceu ser tão cedo.

A cidade era quente, estranhei o calor, a imensa poeira, a baixa umidade, as condições que agora eu estava submetido e me tornei um imenso reclamão, não conseguia ver nada belo, acreditava que tudo seria passageiro, que era uma questão de tempo! Confesso que chorei muito, acabei um relacionamento e meu telefone tornou-se uma arma contra a solidão. Parei de malhar, parei de me cuidar e tentei me concentrar mais. A rotina de festas, às vezes três por semana, deu espaço a um final de semana trancado em um apartamento sem ninguém para abraçar.

As pessoas me assustaram com suas ideias, sempre tão diferente das minhas, aconselharam-me a casar. Uma ideia de que eu teria uma companheira para ser uma empregada doméstica!

O tempo foi passando, me apeguei ao estilo que não conhecia. Vida de interior, festa de rua, cerveja na pracinha, comecei a dar valor a cada coisa. E as dívidas? Engraçado é que elas aumentaram muito, estranho por agora eu não ter nenhuma festa! Essa nova vida me fez esquecer um pouco de um sonho maior que guardo desde os meus 14 anos de idade, o de ser doutor.
Entrei em recesso há poucos dias e me joguei dentro do meu doutorado para tentar correr com alguma coisa e vi o quanto estou atrasado. Surgiu a possibilidade de mudar de cidade, mas nem sei se queria isso, a única coisa que eu queria era acabar meu doutorado e depois, quem sabe, ir para qualquer lugar em que eu pudesse construir uma vida. Mas tinha que decidir.

Prazos estão sendo encerrados e eu sendo colocado contra a parede para tomar decisões. Tenho que escolher entre o meu doutorado e meu emprego. Jamais iria largar um emprego estável, sem chance para que isso ocorra! Então, tenho agora que achar uma alternativa para continuar no emprego e terminar o doutorado.

O título de doutor significa muito para mim, significa mais do que a realização de um sonho, significa que eu posso ser o orgulho dos meus pais, daqueles que sempre acreditaram que eu iria longe. Ver o brilho nos olhos dos meus pais não tem preço.

Agora tenho a chance de ficar mais perto dos meus pais, mais perto do meu doutorado e mais fácil de concluir. Parece fácil não é? Não, não é. Estou indo para um lugar ser apenas mais um, tendo que começar do zero e sabendo de que irei enfrentar muitas entraves. Trocaria essa mudança por 6 meses direto em meu doutorado. Se eu tivesse 6 meses para concluí-lo, não mudaria de cidade, não agora. Esperaria mais um pouco e esperaria ser convidado para sair dela. Tenho medo que para eu conseguir a realização de um sonho, eu tenha que passar o resto da minha vida vivendo em pesadelo.
Carpe diem.

Márcio Bezerra

16 de fevereiro de 2010

Despedida de uma ida breve

Agarrado ao livro que me emprestastes, sinto que estás agarrado a um copo de cerveja, talvez não seja um copo e quem sabe tu estejas agarrado a um corpo, da mesma forma que estávamos antes, ontem, antes de ontem, mesmo que não seja tão ontem assim, mas fica parecendo que foi hoje quando se está preso na memória.

Ao partir, descubro-me tão escuro quanto à ausência do sol às 5h da manhã e apenas a lembrança do teu sorriso ilumina o meu caminho para que eu retorne a minha casa.

O livro faz pensar em ti, talvez o teu ato tenha sido proposital para que tu não saias de mim durante a noite enquanto eu não posso voltar aos teus braços. Parece que eu sou apenas mais um que ao chegar depois de um final de semana de vinte e poucos dias, irei ocupar os braços em que outros braços tenham aquecido. Braços saudosos, ou fingindo ser, esperando por minha volta. A volta de que um dia eu me senti forte e depois me despedi como um menino, por ter tido apenas uma ida breve.

Carpe diem.

Márcio Bezerra

15 de fevereiro de 2010

Fabrício Carpinejar

Depois de começar o ano e andar meio sem rumo e mergulhado no trabalho, sou apresentado ao fantástico escritor Fabrício Carpinejar. No momento encontro-me preso em suas palavras neste início de férias. Como é difícil alguém me surpreender positivamente. Obrigado Mikael. Prometo cuidar do seu livro até conseguir o meu exemplar. Deixo aos leitores deste famigerado blog uma crônica deste autor recém descoberto por mim, uma crônica um tanto polêmica, longa, mas de grande sabedoria.

Carpe diem


Márcio Dadox

Pode me chamar de gay.

Pode me chamar de gay, não está me ofendendo. 
Pode me chamar de gay, é um elogio. 
Pode me chamar de gay, apesar de ser heterossexual, não me importo de ser confundido. 
Ser gay me favorece, me amplia, me liberta dos condicionamentos. Não é um julgamento, é uma referência. 
Pode me chamar de gay, não me sinto desaforado, não me sinto incomodado, não me sinto diminuído, não me sinto constrangido.
Pode me chamar de gay, está dizendo que sou inteligente. Está dizendo que converso com ênfase. Está dizendo que sou sensível.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que me preocupo com os detalhes. Está dizendo que dou água para as samambaias. Está dizendo que me preocupo com a vaidade. Está dizendo que me preocupo com a verdade.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que guardo segredo. Está dizendo que me importo com as palavras que não foram ditas. Está dizendo que tenho senso de humor. Está dizendo que sou carente pelo futuro. Está dizendo que sei escolher as roupas.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que cuido do corpo, afino as cordas dos traços. Está dizendo que falo sobre sexo sem vergonha. Está dizendo que danço levantando os braços.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que choro sem o consolo dos lenços. Está dizendo que meus pesadelos passaram na infância. Está dizendo que dobro toalha de mesa como se fosse um pijama de seda.
Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou aberto e me livrei dos preconceitos. Está dizendo que posso andar de mãos dadas com os anéis. Está dizendo que assisto a um filme para me organizar no escuro. 
Pode me chamar de gay. Está dizendo que reinventei minha sexualidade, reinventei meus princípios, reinventei meu rosto de noite. 
Pode me chamar de gay. Está dizendo que não morri no ventre, na cor da íris, no castanho dos cílios. 
Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou o melhor amigo da mulher, que aceno ao máximo no aeroporto, que chamo o táxi com grito. 
Pode me chamar de gay. Está dizendo que me importo com o sofrimento do outro, com a rejeição, com o medo do isolamento. Está dizendo que não tolero a omissão, a inveja, o rancor. 
Pode me chamar de gay. Está dizendo que vou esperar sua primeira garfada antes de comer. Está dizendo que não palito os dentes. Está dizendo que desabafo os sentimentos diante de um copo de vinho. 
Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou generoso com as perdas, que não economizo elogios, que coleciono sapatos. 
Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou educado, que sou espontâneo, que estou vivo para não me reprimir na hora de escrever. 
Pode me chamar de gay. Que seja bem alto. A fragilidade do vidro nasce da força e do ímpeto do fogo.






Fabrício Carpinejar