Que se volte a luz!

Desatinos, Descompassos e Devaneios

18 de julho de 2017

A cor física das dores.

Hoje o dia amanheceu claro, um céu azul para alguém cinza-chuva que não sabia ao certo se deveria acordar ou não, se queria acordar ou não. A dor confunde, às vezes, a cor que sentimos por dentro. Em um vermelho vivo que saía de mim, o fogo que ardia no estômago, o gosto esverdeado-amargo-azedo na boca, o roxo da ponta do nariz misturando ao amarelo-pus de uma pústula interna e a latejante dor invisível que queimava o cotovelo e o antebraço em algo nunca jamais sentido. Talvez hoje, nesse dia azul-acinzentado, em que talvez eu possa fazer parte, possa ser bom.

Vejo e viajo em leituras, os livros conseguem me manter vivo dentro de alguns metros quadrados e por algumas horas. É como se todas as cores de todas as dores pudessem desaparecer e transformar em um branco-paz. O incômodo fervente do estômago tenta ganhar espaço disputando novamente com a cor invisível do braço. Comprimidos. Mais comprimidos. Mais alguns. Percebo que consegui obter a dormência em um branco-gelo. Finalizo dois livros pendentes há alguns meses. A dor cresce, se espalha e novamente se espalha, voltamos as cores iniciais.


Endorfina ou serotonina obtidas através de muitos esforços desapareceram para dar espaço a essa dor cinza-cimento-queimado que nos faz despertar no meio de uma noite e esquecer até quem nós somos. Até quando? Pergunto-me, esperando que a resposta venha através de um anjo ou através de sonhos ou que simplesmente venha. As lágrimas são sempre bem-vindas, parecem aliviar, lavam a alma.


Procuro uma posição, procuro uma solução, procuro em vão e volto a me perguntar: até quando? Até quando? Que a escuridão que cai possa cobrir todas essas cores que sinto. Que amanhã, em um novo dia azul-claro, eu possa sorrir novamente em um branco-neve. Branco-neve-paz.

Dadox

26 de outubro de 2016

Trocando uma lâmpada, iluminando a alma

Para alguém especial e que me faz escrever clichês.

Afastei o sofá para o centro da sala, no teto, das duas lâmpadas, uma está queimada e eu que gosto tanto de ler esparramado na tranquilidade do sofá, tinha esse desprazer há quase um mês. Já tinha ensaiado utilizar a escada de dois degraus para alcançá-las, mas o medo de cair era maior do que a vontade de ler. Enquanto empurrava o sofá, o rolo vermelho atrás dele, que você tanto detesta, caía mais uma vez. Sorri. Ergui os braços, alcancei o lustre empoeirado e vagabundo que escondia uma lâmpada queimada e outra que já dava sinais de cansaço por horas trabalhadas. Desenrosquei e me veio o pensamento de como você me faz bem, assim, do nada e ao mesmo tempo tudo, com o vento que entra pela porta da varanda que dá para a cozinha. Engraçado que a gente se pega pensando em cada momento, deveria me concentrar em trocar as lâmpadas, mas sei lá, acontece que você veio como aquele vento e eu cheguei a sentir o seu cheiro de quando a gente se beijou pela primeira vez assistindo e ouvindo o DVD de Bethânia em um outro sofá. Depois veio a recordação de como nos encontramos sem querer, “onlinemente”, depois “celularmente”, depois “academicamente” e hoje nos falamos através dos nossos olhares e um simples toque de mãos, de um respirar mais exaltado. Clichê, talvez, mas que faz bem. Passo horas tentando lembrar a música que Roberta Sá cantava para colocar no som vez-em-quando, mas nunca lembro e tenho vergonha de perguntar. Mas lembro da sua voz falando ao meu ouvido de que estava pensando em mim e isso basta. Tanta loucura, tantas dúvidas e ao mesmo tempo certezas de que fazemos bem um ao outro. Planos inimagináveis, quem diria, 2 anos, 10 meses e 5 dias. Uma construção que tinha tudo para não dar certo. Ainda, lembro do sorriso da minha mãe, do supermercado que virou nosso principal programa, de como não era nada e de repente nos tornamos tudo. Obrigado por me fazer feliz. Obrigado. Hoje, mais do que ontem e menos do que amanhã, adoro clichês, quero dizer que você me faz feliz e que eu te amo.


Parabéns, te amo.

Márcio Bezerra
Carpe diem

31 de março de 2015

A diferença entre "alimentar e comer"


Um grande professor de literatura fez uma indagação ao chegar à sala de aula: há diferença entre alimentar-se e comer? Eu, como professor da área de alimentos, lógico que disse que sim, que há uma diferença entre “alimentar e comer”. Exemplifiquei: alimentar-se é quando você tem realmente uma refeição, um almoço constituído de feijão, arroz, carne, salada; já comer seria o nosso salgadinho de milho, a nossa batata frita, a nossa famosa coxinha. Sim, eu estava correto, e o professor foi um pouco mais além e novamente indagou: mas quando falamos de literatura, qual seria a diferença? Então o professor começou a citar exemplos, em sua explicação chegou à conclusão de que para se alimentar, nós nos alimentamos de Machado de Assis, de Monteiro Lobato, de Graciliano Ramos, de José de Alencar e comer, nós comemos Paulo Coelho, Martha Medeiros e se for realmente uma “comida do tipo lixo” do tipo fast food, comemos um “Augusto Cury”. Muitos riram, mas eu me tranquei e fiquei absorto em meus pensamentos, talvez o valor de alguns autores para aquele renomado professor em literatura fosse diferente, mas mesmo assim me senti compelido com a sua comparação, gosto de todos os autores que foi dito como "literatura lixo”. Então, ao final da aula, levantei o braço e disse: estimado professor, muitas vezes necessitamos nos alimentar, mas entre se alimentar e comer, qual dos dois é o mais prazeroso? Qual o que causa mais impacto e que muita vezes ficam em nossas memórias, seja um cheiro, uma lembrança, o que realmente nos marca a alma? Falo-me sobre alguns livros chatos que fui obrigado a me alimentar, assim como minha mãe fazia com a comida que eu rejeitava e ela empurrava goela abaixo, sendo a mesma forma repetida pelos professores do ensino médio com alguns livros obrigatórios. Nossa! Tantos livros eu tinha para ler e estava preso a uma tal de “Iracema”... Perceba onde quero chegar, alimentar-se é preciso, mas comer, comer é muito melhor, é muito mais divertido, não que às vezes eu não queira um prato mais rebuscado e que eu não viaje nas letras do português Fernando Pessoa, mas muitas vezes e confesso, na grande maioria das vezes, eu quero me divertir com o cotidiano, quero comer, chupar, lamber a gaúcha Martha Medeiros, quero devorar Augusto Cury, com curry ou não, como se fosse um sanduíche de fast food, quero ler Allan Percy e suas doses homeopáticas de autoajuda. Por que não? Caro professor, saiba que eu sei muito bem que há uma diferença entre alimentar e comer, que às vezes me alimento em restaurantes caros e muitas vezes, o prato pomposo é sem sabor, sem graça, apesar de ser muito nutritivo! Mas, para um cinema eu não resisto a uma pipoca com manteiga e quer saber? São nessas horas que me divirto muito mais!

Carpe diem


Márcio Dadox